Luz no porão

Sonhei que eu era exposta, eu estava em um grande salão no Oriente, rasgavam a minha roupa e eu era exposta para ser humilhada, eu continuava em pé e não sei bem o que aconteceu, mas tinha vários homens, senti vergonha e medo na camada de cima, mas dentro de mim havia coragem e raiva.

Em seguida eu estava em outro grande salão, talvez eu estivesse em cima de um cavalo sentada de lado, participando de uma reunião de homens, lá na frente, em um lugar mais alto, um homem sentado, ele era muito rico. Alguma coisa acontecia e eu era colocada como culpada de alguma coisa injustamente, então comecei a gritar: Eu não tenho medo de homem! Eu não tenho medo de homem! Eu não tenho medo de homem! E repetia isso alto com voz de raiva, dentro de mim havia medo e coragem.

Então de repente eu estava em pé, ou talvez sentada próxima do homem rico que falava, ele me olhou com raiva e me deu um tapa ou um murro no rosto e fiquei ferida. E senti a mesma sensação de quando Rui me bateu, medo e raiva, E senti a mesma raiva que sentia de meu primo, eu queria ter força para bater igual e revidar. Muita raiva e eu não ia retroceder mesmo que morresse. 

Então de alguma forma, depois minha filha estava lá,  em outra sala mas no mesmo lugar, e eu tentava ensinar a ela: não provoque diretamente, não entre no ciclo da raiva, aprenda a pegar o ouro e trabalhar nas bordas, e ganhe dinheiro! Ganhe muito dinheiro com isso, seja inteligente, e mãos masculinas  que não identifiquei mostravam pra gente peças de louça e tecido com bordas trabalhadas em ouro. Talvez ensinando ela a não entrar em atrito e se disfarçar, disfarçar a capacidade e viver a vida se escondendo porque não existia espaço para ser livre sem brigar.

Nesse sonho 'sem sentido' eu sei algumas coisas, eu sinto desconfiança dos homens, e até certa raiva, pois não são confiáveis e sempre trairão e decepcionarão, mas não é verdade e não quero mais sentir isso porque não é verdade, alguns homens não são confiáveis. Isso é uma crença antiga e não nasceu comigo.

E aqui a minha vida real se aproxima do sonho e consigo identificar alguns elementos. O cavalo tem a ver com Rui, aprendi a andar a cavalo com ele, e o homem rico tem a ver com meu primo. Apanhei dos dois, um foi continuidade do outro. Nos dois não pedi ajuda. Em um eu era pequena e havíamos nos mudado de São Luis para João Pessoa, e mainha me disse que tivesse paciência que assim que pudesse faria algo. No outro eu era jovem adulta, a mesma mudança de repente, de João Pessoa para Recife porque painho ficou desempregado, e estávamos na mesma situação instável da minha infância, pelo menos no meu inconsciente, hoje entendo que foi automática a associação e foi natural não pedir ajuda.

Há alguns anos descobri que Rui foi uma repetição do meu primo, eu queria aprender aquela raiva e aquela violência. Reconheço a dor e não preciso mais dela, foi um longo caminho até aqui.

Eu não preciso mais sentir que estou sendo trapaceada, desrespeitada ou subjugada, isso se passou há muito tempo, seja nesta ou em outra vida, na minha vida ou na vida da minha mãe, e também da minha avó e das minhas tias e tias avós. Assim como os abusos por parentes homens, eu, minha mãe e minhas tias. É tudo muito, muito antigo, uma pedra na divisão entre o tórax e a garganta.

Eu desejo quebrar o ciclo de comprovar que a minha desconfiança é absolutamente válida, não preciso disso e menos ainda de ser fiel a dor. Eu mereço perder o medo para poder confiar em alguém que mereça a minha confiança, alguém que pode errar porque eu também erro, mas que eu confie sem precisar sentir medo, porque sei a minha força e capacidade.

Eu tenho força suficiente para me proteger, eu tenho discernimento suficiente para escolher quem pode me acompanhar e hoje existem leis de proteção à mulher. Eu não preciso mais me esconder, eu não preciso mais sentir medo, eu não preciso mais de ter raiva armazenada para sobreviver.

Acordei de madrugada para anotar o sonho, neste processo quero lembrar o que o inconsciente me fornece, e tem sido um caminho interessante. 

Hoje quando vim trabalhar vi um arco íris se formando, fraquinho, em pouco tempo choveu e ele desapareceu, mas eu o vi, eu vi! E ter visto é o que preciso.


Foto: printei de @janaina_nportella

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