Catarse
As vezes o sono não repousa. Não deve ser fácil dormir comigo, pelo menos em algumas noites. Converso, falo, choro e me assusto em pesadelos. Lembrei de manhã de um ex namorado que pacientemente me abraçava pra me acalmar e eu adormecia e ele perdia o sono. Uma lembrança terna, sem saudade.
Para não incomodar Mel, já que visitando meus pais dividimos a mesma cama, tomei um rivotril de mainha quando na madrugada senti que a noite não seria fácil. Um pesadelo atrás do outro, se pelo menos eu lembrasse, teria algo a trabalhar e lutar contra. Nunca lembro, então sou alvo fácil de mim mesma, só pode.
Acordei cansada. Vi nas mensagens que minha ex sogra, de um outro noivado de seis anos, faleceu. Relembrei sua batalha de mais de 20 anos contra o câncer em alguns órgãos, cheia de vitória e lutas, relembrei seu jeito forte, decidido, e extremamente frágil algumas áreas emocionais. Relembrei como foi difícil para ela me aceitar, eu namorei o filho preparado para substituir o marido que os abandonou, lembrei do ciúme dela. E em seguida relembrei que nossa relação aos poucos foi mudando, pacientemente se reconfigurando, até eu me tornar confidente (porque aceitei esse papel?). E me despedi dela com afeto. Uma vida forte e vibrante e triste em muitos aspectos.
Porque eu quis resgatar o filho dela, trazê-lo para o lugar de filho? Porque eu repetia padrões de me envolver com homens que tinham nós com outras mulheres? Nós de abandono ou abuso? Porque amei e busquei homens com esse padrão?
A quem eu queria resgatar? Por quê? Eu queria resgatar a mim, me validar?
Li que em alguns casos quem teve relacionamento abusivo na infância continua a buscar relacionamentos assim. Eu me envolvia em relacionamentos em que eu me permitia abusar de mim? Difícil pensar isso.
Eu queria me validar, eu queria ser a salvadora? Porque eu queria esses homens me amando? Queria ver neles o conserto que era incapaz de fazer em mim? Quem era Luciana nessas relações? Certamente não era quem sou hoje.
Parei um pouco e me deitei desfiando esse rosário de hipóteses, meio perdida no inquérito torturante e providente. Acho que meu humor tava na cara.
Mel apareceu, perguntou se eu queria ficar sozinha, disse que sim, me deu um cheiro e saiu fechando a porta. Demora um pouco e minha irmã bate, sorvete na mão: Lu, um sorvetinho ajuda? Com biscoito e tudo na borda.
Quando me exauri, me satisfez o pensamento: eu posso não saber exatamente o que desejo adiante, mas sei exatamente o que não quero mais. É um bom norte por enquanto.
E sai do quarto mais leve com a resposta. E fui curtir meu povo, nadar e andar de bicicleta com a minha filha. A vida é pra frente, e é agora.
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