Medo
Domingo vim na ambulância com painho, mais uma pneumonia por bronco aspiração. Estou com medo, é um medo resiliente e dentro dele tem força de ação. É um medo experiente, já estive aqui antes. Domingo cheguei em mainha pra almoçar e painho tossindo e rouco, tinha começado de madrugada, vimos que ele estava fora da rotina, e chegou a febre baixa. Esperamos a ambulância porque era mais seguro, para ele não descompensar no carro comigo e meu irmão. Ontem ele estava melhor que hoje, ontem eu disse:
-Dedizinho do meu coração!
- É teu. Te amo, mulher!
- Eu também te amo, painho, tu sabe que tu é minha afinidade nesse mundo, né?
E ele fechou os olhos e abriu, olhando pra mim com o maior olhar de aceitação que tenho nesta vida.
Ontem de noite ainda fui pra academia, não adianta entrar no ciclo de dor e sofrimento e comer besteira. Cheguei exausta, tomei banho e me deitei. Quase dormindo começou uma coceira aqui e outra ali no rosto, achei que era impressão. Mas era muita e em muitos lugares, eu coçava e não percebia nada diferente.
Cansei e decidi olhar, coloquei os óculos, liguei a luz e peguei o espelho de aumento, tinham vários bichinhos minúsculos andando do meu rosto, tipo uma formiga muito pequena que não morre fácil. Levantei e tomei um banho de cabeça, e logo depois elas estavam lá de novo. Enchi o quarto de veneno, até no colchão, fechei o quarto e fui pra sala. Tomei outro banho de cabeça.
Pensei em piolhos de pombos, tem um ninho desocupado na caixa de ar condicionado. Dormi na sala, aliás, não dormi, quando estava amanhecendo o dia adormeci. Amanhecendo me sentei no sofá e meu braço se encheu de bichos. Tou toda mordida.
Mainha ia ficar com painho para eu trabalhar e Enock ia render ela. Não deu para trabalhar porque precisava resolver a dedetização, painho teve febre, vim embora pro hospital e o apartamento vai esperar. Desejo de coração que sejam formigas fantasma e não piolhos de pombos. Do contrário terei que tirar Cléo de casa por seis horas, assim como a mim e Mel, impossível agora.
No início do ano a espiritualidade disse que painho só iria quando organizassem as coisas, pois bem, as coisas se organizaram, entre mim e mainha, entre mim e Mel, entre mainha e a história deles. Painho é um homem muito muito amado. Ver ele sofrendo hoje, buscando ar, me entristeceu, e isso não me tira da ação necessária de estar junto. De querer estar junto. Queria mais muito mais tempo. Vamos seguindo.
Ele hoje mudou o antibiótico para um dos mais potentes e está mole, está sofrendo cheio de secreção e pode levar até 48 horas para melhorar, quero ver ele sofrer o mínimo possível, só. Fiquei com ele, voltei pro apartamento, me enchi de pixilinga (sim, piolho de pombo), comprei a caixa de transporte, esperei o rapaz, ele quebrou a cobertura da caixa do ar, o ninho infestado. Dedetizou as paredes inteiras, colchões, travesseiros. Peguei Cléo e as coisas dela e esqueci metade da roupa que vou precisar. Minha filha com o carro, chamei um Uber, e vim pra casa de mainha de mala e cuia. Dia da bixigalixaeestopôbalaio esse! Pqp!
De manhã liguei pra tia Emília chorando: tia, painho piorou e eu tou cheia de piolhos de pombos! Só ela para me ouvir e acalmar de uma reclamação tão sentida e ingênua.
É, é o que é, Luciana, eu me disse e fui cuidar. Dei um passo por vez até que cheguei em mainha e já tomei banho de cabeça, não tava piolhenta, tava pixilinguenta.
A vida apertou valendo e estou triste e com medo, mas estou bem ancorada em mim, e sigo.
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