... "Um raio que te chamusque e te convide a ver que tens a mesma natureza dos chamuscados"... Meditando Junto.

Hoje levei mainha pra fazer um exame. Hoje de manhã eu mexi na memória que tenho dela de quando eu era criança, no exercício que fiz. Na volta do exame por ‘coincidência’, ela me falou de como foi a vida dela. E eu dei mais alguns passos para entender a minha própria vida, me localizando melhor na teia da minha família, assim como nos emaranhados. 

A mãe de meu pai e a mãe de minha mãe eram irmãs, minhas avós eram irmãs, meus pais são primos. 

Mainha foi criada livre até os 9 anos, quando teve uma convulsão e então foi tolhida. Quando tinha 12 anos a mãe de painho determinou que ela seria mulher dele, e que quando ele passasse no vestibular eles namorariam. 

Meu pai era totalmente enquadrado por minha avó, ele era submisso a ela (palavras de mainha) porque ele era apaixonado pela mãe. Já painho, um dia me contou que sempre se viu amado por vovó, e que por isso tinha um ego forte. Enfim. 

Aos 14 anos a mãe de mainha disse que painho estava só esperando passar no vestibular para pedir ela em namoro, e que seria bom ver os dois juntos. Parece que tou olhando mamãe deitada na cama de solteirão falando. Mamãe não era de abraço e nem de beijo, ela era do jeito dela, dura como uma pedra. Quero falar disso mais não que já tou com vontade de chorar, mamãe se macomunou com tia pra selar o meu destino!

E teu pai era doido, todo enquadrado! A gente começou a namorar no carnaval (por coincidência, minha irmã e meu irmão também começaram a namorar no carnaval) e depois do carnaval ele determinou como seria no namoro. A gente só podia segurar na mão, segurar meu ombro só depois do vestibular, ele me enquadrava o tempo todo! Qualquer assanhamento ele já parava me enquadrando. O beijo só saiu com dois anos, eu perguntava a Laura como se beijava e ela me mostrava numa garrafa, mainha falou e rimos. 

Quando mainha fez 18 e painho 25, painho acabou o noivado, disse que precisava reaprender a viver. Painho se libertou e foi curtir a vida. Mainha achou que fosse morrer e viajou para o lugar da infância nas férias, chegando lá se sentiu imensamente feliz, ela também se libertou. Os dois se libertaram da ditaduras de suas mães, mas os dois já se gostavam.

Eis que numa festa os dois se reencontram, mainha dançando com outro. Uma semana depois reataram o namoro e se casaram no mesmo ano, mainha com 19.

Mainha foi reenquadrada e painho continuou a se libertar, traindo mainha sistematicamente. Nesse ponto, não sou psicóloga, mas suponho que o alvo da traição não era mainha, mas vovó que o subjugava. De toda forma Mainha lascou-se, teve o mesmo destino de vovó, também traída sistematicamente por vovô. Mainha teve três filhos e deve ter sido difícil, lembro do amor de painho por mim. Se eu fosse mainha também teria raiva, raiva misturada com amor. E também herdaria um pouco da secura de vovó. Inevitável.

E quanto ao meu pai? Ele é minha afinidade neste mundo. Afinal, é meu pai, não meu marido.

E quanto a mainha? Cada vez mais me solidarizo com ela e vejo a força desta mulher, que faz questão de escolher uma vida diferente da vida das minhas avós em relação aos seus maridos. Minha avó materna odiava o marido porque vovô a traia sistematicamente, e pra terminar de lascar faliu duas vezes até ficar na merda. Minha avó paterna queria que o marido morresse porque vovô se tornou impotente e amputou as duas pernas quando ela tinha 33. Mainha dá muito amor ao meu pai, muito, e não mede cuidados agora que ele está doente, afirma: não vou copiar o que minha mãe fez, de papai morrer sendo odiado por ela. 

Eu, o que sinto? Eu estou amadurecendo, me separando da confusão, deixando heranças de dor de lado, aprendendo a olhar pra mim, começando a me enxergar. E isso é bom.

Ainda agora voltei em mainha pra comprar remédio pra painho. Ela ansiosa e angustiada pra resolver as coisas. Eu:

- Mainha, por que tu é tão assim? Respire pelamor.

- Porque essa sou eu!

- Você tá feliz assim?

- Eu não vou mudar, tou acostumada a ser assim.

- Pois bem, minha senhora, seja, mas seja só pra você, não me endoide junto não! E ri.

A verdade da verdade pode ser dita, e eu posso me posicionar sem (me) ferir.


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