Ver painho definhar é uma das etapas mais difíceis que já vivi. 

Ontem ele teve o primeiro acesso de raiva depois de meses, isso acontecia lá no começo da doença, e então aconteceu ontem. Ontem ele bateu no cuidador, apertou a mão da enfermeira e arrancou a GTT e teve que ir para o bloco colocar outra, deve ter doído muito. Eu só conhecia o Alzheimer de ouvir falar, em 2023 eu estava com meus pais na consulta, quando o médico definiu o diagnóstico depois de um petscan judicializado. Lembro de painho ter ficado muito vermelho, mas não chorou, e perguntou se podia fazer um gesto e o médico disse que sim, então fez o gesto de “me fodi”. Depois da consulta paramos na farmácia e mainha desceu para comprar um remédio. Ficamos só nós dois e eu perguntei: pai, como você tá? Ele respondeu com o rosto vermelho: mais ou menos, e calou-se. Neste dia não fui trabalhar, decidi ficar com eles, era perto do almoço e quando sentamos na mesa nós três tomamos uma cerveja. Brindamos à vida.

Ver painho ontem recebendo a gente com carinho, mas ainda fora de si porque estava sem sentido da realidade, me entristeceu. Quando painho começou a ficar dependente eu ainda sentia agonia em limpar cocô, hoje não sinto mais agonia com nada que se refere ao cuidado com ele, ficou natural e faz parte.

O último internamento dele havia sido em março e, antes desse, alguns internamentos anteriores. Ele se recuperar lá em março foi um pequeno milagre, então reforçamos os cuidados e incluímos aumento da fono e da fisio, e ganhamos cinco meses sem internamento, com ele em casa relativamente estável. E entramos na nova rotina, que foi quebrada com o internamento de agora. 

Apesar de hoje aceitar a morte como componente natural do viver, isso me entristece porque sofremos. Ele sofre e nós sofremos, ele sofre mais e nós sofremos junto, em uma medida diferente.  

Ontem passei mal no trabalho e fui na estabilização, a médica que me atendeu começou a chorar porque o pai dela também tem Alzheimer. Ontem minha terapeuta abriu que o pai dela morreu em decorrência das complicações do Alzheimer, e disse que quando eu falo ela vê o pai dela. Também ontem na palestra o Lama falou da mãe dele. É interessante que quando quem amamos adoece em alguma medida adoecemos também, a minha gastrite, que se apresentou após os internamentos anteriores dele e estava tratada, tá reaparecendo. 

Vamos segurando no amor e cuidado, a morte se tornou uma certeza relativamente tranquila pra mim, pelo menos a minha. E agora, neste exato momento, tou muito feliz! Painho acabou de receber alta e vou aproveitar pra dar cheiro nele. Aproveitar a nova oportunidade de tempo com meu dedizinho, e celebrar a vida dele e nossa.

Foto: printei de @janaina_nportella

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