Dias 30 e 31 de maio eu participei de um curso sobre sistemas familiares internos. Pela primeira vez falei em público sobre a frase que feriu profundamente o meu senso de valor, porque era uma criança: - Ela não vale nada! Ela não vale nada! 
Eu quase não conseguia falar, só chorava, mas a força do grupo era grande e éramos 20 pessoas partilhando experiências que marcaram nossas vidas. Dentre as práticas e partilhas, uma me travou: Uma pergunta.
- Se eu olhar com compaixão agora mesmo, que reações traumáticas estão mais presentes na minha vida e o que elas precisam de mim? Escreva por cinco minutos sem parar. Escrevi só uma frase: Eu preciso descansar. E travei com o tempo correndo, tudo que eu podia escrever estava escrito ali. 

Dia 02 de junho, segunda: Na segunda-feira de manhã minha irmã me avisou que meu primo formou um grupo com os primos (primos há décadas sem se falar...), o mesmo primo da história que conto, ela me enviou print de que tinha avisado no grupo que eu não entraria porque esteva envolvida em um projeto de trabalho. Pois bem, né aquilo de que uma energia mexida numa ponta mexe com a outra?

Dia 02 de junho à tarde: fui descansar no carro no horário de almoço e pensei no grupo formado e na invasão de meu primo, bloqueado em ligação, mensagem e Instagram, tentar me colocar lá. Minha prima tentou me colocar, mas não conseguiu porque ele é o administrador do grupo e ele é bloqueado em tudo. Senti MUITA raiva, ao ponto de decidir que ia desbloquear o contato para ligar e falar abertamente com ele, perguntar porque me fez tanto mal, dizer que ele me fez mal profundamente, se ele tinha noção do que fez. Pela primeira vez eu decidi realmente confrontar ele, eu senti uma força imensa! E curiosamente de repente essa força se acalmou, e senti calma, a calma da adulta que pode se defender. Eu vi ir embora o medo da criança, de não poder com ele porque não tinha força e não se sentia apoiada. A raiva cedeu porque o medo passou. Eu agora posso confrontar ele. Eu estava sozinha no carro e foi uma experiência forte.

Dia 02 de junho à tarde minha filha enviou uma mensagem pra mim depois de meses nos comunicando apenas o necessário: "Oi, mãe! Olha, tava há algum tempo pensando sobre isso: eu sinto falta da minha mãe. Queria que a gente se reaproximasse de uma forma leve, sem tantos apontamentos ou críticas, sabe?" e eu respondi: "Eu sinto falta da minha filha. Podemos sim". Justo no sábado à tarde que antecedeu esta segunda, eu havia conversado com mainha sobre a forma crítica dela falar comigo.
Uma energia mexida numa ponta se mexe na outra ponta. 

Dia 03 de junho, aniversário do meu pai! Primeiro aniversário sem ele e com ele presente. Justo no dia 03 chegou um cartão meu no endereço antigo da casa de meus pais, no final da tarde passei lá depois de mais de meses, esperava que o inquilino entregasse o cartão na porta. Ele  abriu e me mandou entrar, entrei até o terraço e me senti inundada de recordações, chorei lá mesmo. Cheguei na casa de mainha e estavam lá mainha, minha irmã e minha filha. Eu e minha filha nos abraçamos. Painho estava ali em cada um de nós e em nós todos, desatando nós.

Dia 03 antes de dormir peguei o celular, vi as mensagens do amigo que estou conhecendo: 
[20:05, 03/06/2025: Boa noite!!!
[20:05, 03/06/2025] : Vc ainda tá acordada???
[20:06, 03/06/2025] : Pode falar???
[20:11, 03/06/2025] : Não!!!!
[20:11, 03/06/2025] : Tá certo...
[20:12, 03/06/2025] : Deixa pra outro momento...
[20:18, 03/06/2025] : Quem sabe, né???
[20:18, 03/06/2025] : Boa noite e durma bem!!!

Do nada, assim num intervalo de 15 minutos isso, vi quando fui dormir e só dei boa noite. Interessante que ele é extremamente compatível com um namorado que tive e que eu fui dependente. Mesma cultura, mesmos livros, mesmas músicas, mesmos autores, mesma filosofia e pensadores, até na arte: um professor de arte marcial e o outro professor de capoeira.
Quando conheci esse amigo aleatoriamente na internet, igualmente ao ex-namorado, igualmente através de uma solicitação de amizade em que havia apenas uma pessoa em comum, e que aceitei porque em em ambos os casos em comum era uma colega que eu gostava, na medida em que nos conhecíamos eu pensava: Por que isso, o que a vida quer me ensinar? Sim, porque ele é cagado e cuspido fulano que namorei. Esperei. 

Com o ex-namorado eu batia na tecla de que nossas crianças feridas se confrontavam, que eu tinha saído por baixo, vítima, e ele tinha saído por cima, e ele concordava. Eu na minha ferida, queria alcançar a ferida dele, queria que ele se abrisse, o que só vi uma vez: quando ele chorou quando fomos transar pela primeira vez. Depois, ao longo do namoro, me transformei na criança que precisava de atenção e reconhecimento, uma criança dependente. Então levei um pé na bunda e o silêncio sem um fim falado. Me lasquei toda e pra falar a verdade, eu precisava de uma experiência adulta que me colocasse em contato com o meu medo mais infantil. Com o sofrimento, aprendi a aprender sobre mim mesma e meus mecanismos, e reconhecer o que estava acontecendo, e ainda passei por todo o processo da perda de painho, No final, eu tinha atravessado um portal. Eu estava buscando as partes minhas aprisionadas ao longo da minha infância. 

Então quando chegou o afastamento da minha filha, a experiência mais intensa, eu de alguma forma estava preparada para sobreviver, eu precisava mergulhar mais e mais na dor, trazer isso pra perto e me conhecer. 

E quando chegou esse amigo, que conheci da mesma forma e que tinha os mesmos conhecimentos e interesses que o ex, parei. O que era para eu aprender!? O que era aquela 'coincidência'? Escolhi caminhar devagar e com cautela. Quem era aquela "cópia" (pois bem, o próprio ex num dia meio irritado, me disse que em um mundo com quase 7,5 bilhões de pessoas, claro que haveria outros dele e outras de mim andando por aí... rs, pois né que tem?). Mas ninguém é igual, e provo.

Pois esse amigo veio com as mesmas características e com um detalhe em aberto, a mesma ferida que eu enxergava no ex, só que a dele se apresentou mais abertamente para mim. Quando no outro dia falei pra ele como me senti com a mensagem: "Eu me senti cobrada, medida e condenada, como se eu tivesse que estar no celular, ou tivesse que sempre dormir cedo, ou que se nao dormir cedo tivesse que estar no celular". Quando falei a verdade, ele me acolheu e me mostrou outra visão, eu fiquei feliz. Feliz comigo porque mostrei meu limite, feliz por ele, por ser além do meu julgamento.

Fui dormir na noite do dia 03/06/2025, agradeci a painho por estar tão presente.

Eu mereço amor tranquilo, primeiro a minha calma, depois a calma de alguém. Não quero mais salvar ninguém além de mim, não quero mais ser vítima e não preciso mais de dependência. 

E agora eu olho para tudo que aconteceu da morte de painho até aqui, aprendi que sobrevivo à rejeição e ao abandono. Aprendi que eram medos da minha infância, aprendi que eram traumas relacionais, aprendi sobre meus mecanismos de ação e repetição. Aprendi muito e lutei o bom combate. 

Luciana achava que a vida era sofrimento e Luciana descobriu que a vida também é descanso. 


Foto: @marciabaja









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